Monday, January 21, 2008

A lavagem cerebral inglesa



Faz tempo que venho falando da insistência, às vezes quase paranóica, com que governo e população têm tratado a questão ambiental, de saúde e de bem-estar em geral. Insistência e paranóia evocam uma má impressão - mas eu não estou achando nem um pouco ruim. Ver atitudes positivas sendo tomadas por motivos tão nobres me fazem ficar orgulhosa do lugar que escolhi para viver.

Mas ultimamente tenho ficado muito assustada é com a programação dos canais de TV. Todos os 5 canais que temos, de TV aberta, são tradicionais ingleses: itv1, channel 4, bbc1, bbc2 e outro que eu esqueci. E todos eles estão bombardeando a gente com a maior variação sobre o mesmo tema que eu já vi em qualquer canal, em qualquer mídia, em toda a minha vida. Explico. Vamos usar os chefs-de-cuisine-superstars como exemplo. Eles são mais famosos que os apresentadores, que os atores, que os big brothers, que todo mundo. Então as emissoras resolveram usá-los para ser apresentadores de quase todos os programas, variando o assunto. Outro dia, assisti a 2 programas seguidos com o Jamie Oliver.

Em um deles, o Jamie, apresentando junto com o médico-macabro-dissecador-de-corpos alemão e com uma nutricionista simpática, mostravam de todas as formas, para uma platéia estarrecida, os efeitos da comida pronta contemporânea nos nossos corpos. Num certo momento do programa, chegou um produtor artesanal de salsichas e mostrou na frente das câmeras como se fazia uma salsicha de verdade, nobre, com carne de qualidade. Explicou que ele usava no mínimo 70% de carne e o restante poderia ser gordura ou outras coisas mais que eu não vou detalhar. E que essa era a forma de produção até 30, 40 anos atrás. Aí o Jamie explicou que, nas salsichas encontradas hoje em dia, com a industrialização e necessidade de se baixar os preços, os produtores passaram a pegar as partes menos nobres que sobram do bicho (mostrando essas desagradáveis imagens na tela) e a vender salsichas com apenas 30% de carne. E o resto, 70% de porcaria, vai direto pros nossos corpinhos em forma de gordura muito maligna. Na sequência, pra arrematar a lavagem cerebral, aparecia o médico macabro com um cadáver de um homem enorme. E lá foi o médico abrir, na frente das câmeras e de quem quisesse ver, a barriga do cadáver, o tronco, tudo, para mostrar seus órgãos internos, a quantidade de gordura acumulada em seu coração e onde mais ele pudesse encontrar. Isso mesmo pessoal, dissecação em pleno horário nobre.
Olha que isso não foi novidade pra mim - antes do médico lançar esse programa com o Jamie, ele já tinha um só pra ele explicando a medicina e os cuidados com o corpo de uma forma bem, digamos, prática, dissecando cadáveres e mais cadáveres pra todo mundo ver.

O segundo programa da sequência, também estrelado por Jamie, era ligeiramente mais leve mas não menos transformador. Com a platéia sentada à mesas a la Gala Dinner, Jamie ia falando sobre o processo de produção de alguns ingredientes que ele usaria para fazer o jantar. Começou falando de ovos. Colocou pintinhos em caixas de acrílico transparentes e colocou cada caixa em uma das mesas. Depois, pediu para que as pessoas separassem os machos das fêmeas, explicando como destinguir (pela cor). Assim que todo mundo tinha separado, ele pegou os machos, colocou numa outra caixa maior de acrílico e explicou que ia repetir o processo que as granjas usavam na fabricação de ovos. Nasceu macho, morre. E Jamie simplesmente puxou uma alavanca e matou todos os pintinhos por insuficiência respiratória ou algo assim, um processo que durou aproximadamente um minuto, acompanhado non-stop pela câmera.
Depois mostrou imagens de granjas cujo objetivo é a alta produção, sem nenhuma procupação ambiental ou orgânica. As galinhas mal conseguiam sentar, de tão apertadas que ficavam. E assim foi, mostrando todos os tipos de granjas, até um momento em que eu já estava tão enjoada que achei o paraíso, a coisa mais linda e humana do mundo, quando ele mostrou a granja que fabrica os "free-range eggs", deixando suas galinhas soltas num lindo terreno cheio de verde e sol.
De vez em quando, a imagem cortava para uma rápida entrevista do Jamie com o diretor de MKT de alguma rede de supermercados, cobrando quando é que eles iriam boicotar de vez a produção cruel de ovos com galinha infelizes. E os executivos levando super a sério, prometendo deixar de vender os ovos cruéis até 2010. Até o Mr Hellmann's apareceu lá (na figura de um executivo importante da empresa), dizendo que as maioneses da marca serão completamente livres de ovos cruéis ainda este ano.

Parece que estou sendo irônica, mas a coisa é tão séria e tão bem-feita, que me convenceu absurdamente. Não só pela felicidade das galinhas propriamente dita, mas pelo movimento de gentileza com a natureza que isso desencadeia. Faz as pessoas serem menos "fast" e se lembrarem que tudo, no fim das contas, vêm da natureza e ela está pedindo socorro. Faz a gente perceber que apesar de nascidos e vivendo no concreto, nossa condição natural é outra e que precisamos resgatá-la.

Se é que algum tipo de lavagem cerebral pode ser bom, este é. E funciona, pois vejam o resultado da minha visita ao supermercado logo no dia seguinte. Assim, daqui a muito pouco tempo, teremos uma Inglaterra 100% orgânica e consciente. Espero que logo logo o mundo todo aprenda que a combinação celebridade + programa de TV pode sim, e muito, fazer (o) bem.







P.S.: O Ricardo mandou avisar que achou o segundo programa muito, mas muito pior do que o primeiro. Ele acha muito mais assustador e cruel ver pintinhos sendo assassinados em uma câmara de gás do que um cadáver sendo dissecado.

3 comments:

Anonymous said...

Apoio o Ricardo! Viemos de uma geração em que os pintinhos eram presentes de feira de animais. Eu tive meu "chester" que virou galo e foi pro sítio!

Agora voltando ao blog, Lu, eu já vi tb um programa do Jamie em que ele comprava umas galinhas sofridas e colocava no quintal dele. A aparência e cor das galinhas, desnutridas e anêmicas, era de dar dó.

E só pra terminar, pela legislação brasileira, nossas salsichas (aquelas tipicas de hot-dog, não alemãs caseiras) tem mesmo 30% de carne. O resto? Olha, eu já fiz salsicha na facul... Processo que não recomendo que ninguém veja!

Pronto, um comentário longo de acordo com o tamanhão do seu post!

loboreporter said...

Por falar em ovos de granja, eu criei um blog mostrando a situação calamitosa das galinhas poedeiras.

http://ovocausto.blogspot.com

Contém uma petição ao governo brasileiro para acabar com essa crueldade.

Um abraço,

Antonio

andrelucas1303 said...

Achei o seu blog incrível!!!

nem me lembro como vim parar aqui, mas fiquei chocado com o programa do jamie oliver! meu deus!

E sensacional a história do guardanapo feio e marrom! Muito bom mesmo!

parabéns pelos textos. Muito bem escritos.

=)