Wednesday, March 12, 2008

Berlim

Eram 9:40 pm e nós estávamos chegando no aeroporto. Só podíamos estar embriagados por Berlim, para achar que iríamos pegar o vôo que decolaria em 15 minutos. E ainda não tínhamos feito o check-in.
Essa história de viajar muito faz a gente ficar folgado e perder a noção das coisas. É claro que perdemos o vôo.
E de repente, lá estávamos nós. Às onze horas da noite de domingo, sentados num trem vazio de bancos cor-de-rosa e paredes lilás, voltando para Berlim. Como se um ímã tivesse nos puxando de volta, com força.

Berlim nos surpreendeu do começo ao fim. Desde o trem rosa e lilás (logo de cara), até as porções gigantes e minúsculas dos mesmos produtos disponíveis no supermercado. Na forma como os cidadãos parecem, ao mesmo tempo, viver da memória da guerra e dos horrores que viveram, e tentar desesperadamente deixar pra trás e recomeçar uma outra vida do zero. A cidade é pulsante, é nova como não há outras na europa, mas também tem um certo ar de descuido e decadência paulistana em alguns cantos, embaixo dos viadutos e nas pichações do muro. Uma cidade criativa, em ebulição, construções feias por fora e inacreditavelmente deslumbrantes por dentro. Se São Paulo fosse uma cidade decente, seria Berlim. Talvez por isso eu tenha sentido um carinho quase familiar pela cidade. Saudades da minha São Paulo estranha e talentosa.

Tínhamos reservado um hostel pois os hotéis estavam superfaturados graças à ITB Fair. A chegada no nosso quarto do hostel foi a primeira suspeita de que estávamos diante de uma cidade especial: eu que esperava encontrar beliches, dei de cara com um quarto maior, e mais moderno, do que a maioria dos que já tínhamos ficado. Não se trata de luxo. Se trata de astral, modernidade, criatividade, bom gosto. Era tudo simples, tudo prático. Chão fácil de limpar, móveis simplistas, venezianas, uma planta. É isso o que eu quero dizer quando falo que dá pra ser chique sendo pobre! É isso! Não precisa pôr cortina, edredon de florzinha, tapete-persa-barato-que-brilha. Quanto menos frescura, menos perigo. E assim foi minha primeira impressão de uma cidade fascinante.



No primeiro dia fomos conhecer a Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche. É a ruína de uma catedral que foi quase totalmente destruída durante a guerra e não foi reconstruída de propósito, para que sua torre em pedaços reinasse no alto dos telhados lembrando a todos dos horrores que uma guerra pode causar. Uma decisão sábia. A se julgar pelo entorno da praça da catedral, foi tudo reconstruído. A foto da época dos bombardeios mostrava uma cidade-fantasma, com nenhum telhado pra contar a história, uma cidade feita de ruínas sem que se pudesse imaginar qualquer tipo de vida ali no meio daqueles escombros. E olhando em volta, comparando a foto à atualidade, eu tive certeza de que se nenhuma ruína ficasse ali de lembrete, ninguém mais se lembraria do que um dia aconteceu ali.





Nessa noite, fomos a um restaurante que superou qualquer expectativa. No guia, era citado como "bom" e com preços razoáveis. Fomos porque era o mais perto de onde estávamos. Encontramos um restaurante simples, confortável, de comida divina. Até então eu não havia ido a um só restaurante na europa que ganhasse dos meus paulistanos preferidos. Muito provavelmente isso acontece porque aqui não vamos aos restaurantes mais badalados, e em São Paulo frequentávamos esse tipo de lugar muito mais. Mas também porque em Londres os realmente bons restaurantes são realmente caros. E em Berlim achamos restaurantes com estrela no Michelin, de se comer rezando, por preços absolutamente inacreditáveis se comparados a Londres. Mais especificamente, pelo preço de uma pizza em Londres.

No segundo dia o Nando chegou e fomos conhecer os pontos turísticos importantes do outro lado da cidade. O Portal de Brandemburgo, onde Hitler fazia seus discursos; o parlamento alemão que recentemente ganhou uma cúpula de vidro do arquiteto Norman Foster (para felicidade do Nando), e a Potsdamer Platz. A Potsdamer Platz foi o lugar mais marcante. Até 18 anos atrás, no lugar dessa praça passava o muro de Berlim. De um lado, a Alemanha ocidental, moderna, rica. De outro, a Alemanha oriental, pobre, desigual. Ali no lugar da praça, há não muito tempo atrás, existia apenas um vazio, um terreno aberto de terra batida preenchido por um muro e algumas barricadas e guaritas de cada lado. Agora, no lugar do muro, uma enorme avenida. E o complexo mais moderno que eu já vi, prédios todos iluminados com suas janelas voltadas para um átrium coberto por uma cúpula-escultura branca. Tipo uma cidade indoor do futuro, com cinema 3D, estação de metrô, lojas hi-tech, prédios de escritórios. E a poucos metros dali, pedaços de um muro pichado que parece peça de museu a céu aberto, mas que há nem duas décadas era a única coisa existente. É impressionante.





E por incrível que pareça, depois disso conseguimos achar algo ainda mais impressionante. O Judisches Museum Berlin é um museu dedicado à religião, raça e cultura judaica. Mas mais do que um museu, ele é uma experiência. O prédio é formado por 3 eixos, que se cruzam. O eixo principal é o da continuidade: o eixo da história dos judeus, desde o começo dos tempos até o futuro. Ele é cruzado pelos outros dois, o do holocausto e o do êxodo, que cruzaram a vida dos judeus ao longo da história.
Os corredores vão se espremendo e, quase que inconscimentemente, passamos a sentir um certo incômodo, frio, sensação de falta de rumo. Os espaços vazios que se interpõem entre os corredores têm sempre essa proposta: de trazer sensações. Numa delas, mais emocionante, um espaço tinha rostos de metal jogados no chão. Enquanto íamos passando pelos corredores do museu, víamos de janelinhas, do mais alto até o andar mais perto, esses rostos, lembrando corpos jogados numa vala comum. Mas quando chegávamos lá embaixo, na entrada do espaço, uma nota do arquiteto pedia que os visitantes pisassem em cima dos rostos. Um pouco assustador, mas quando começamos a andar por cima deles, entendemos: eram feitos de um metal pesado, que ao ser pisado batia nos outros e formava um som forte de armamento, de barras de ferro, de guerra, de cadeia. Como é que ele pensou nisso? O arquiteto, genial, chama-se Daniel Libeskind e é o mesmo que ganhou a concorrência para reconstruir as torres gêmeas de NY. Virei fã. Aliás, estou muito contente com a quantidade de ídolos que venho colecionando ultimamente.





Infelizmente conseguimos um vôo para a manhã seguinte, bem cedo. E tivemos que deixar Berlim, mas com aquele gostinho de quero mais que faz a gente voltar tantas vezes para o lugar querido, sempre com a desculpa de que faltou uma coisa pra conhecer.



Sightseeing:
Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche
Portal de Brandemburgo
Reichstag (parlamento)
Potsdamer Platz
Memorial do Holocausto
Juidisches Museum Berlin

Restaurante:
Florian

Hostel:
BaxPax Downtown

5 comments:

Anonymous said...
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Anonymous said...

oie!
pode ler e apagar este: tem um lugar que esta escrito "De um lado, a Alemanha ocidental, moderna, rica. De outro, a Alemanha ocidental, pobre, desigual. ". Geralmente não me pego tanto a typing mistakes, mas esse acho que faz diferença...
bjo!

π said...

e agora um recado de verdade!
gente, que fabulosa essa cidade e essa menina que escreve da cidade!
apaixonante sem nem conhecer (a cidade, pq vc eu conheço).
bjão!

Unknown said...

Amei! Quero ficar nesse hostel tb.

Luciana said...

Py, obrigada pela observação! Você tem toda razão, esse mistake é BEM importante. Haha.
Isso que dá querer escrever sobre 3 dias de viagem em 15 minutos à meia-noite!!!
Corrigido!
:-)