Monday, October 29, 2007

As boas e simples idéias

Tem algumas coisas que a gente vê pelo mundo e pensa: "como é que não copiaram isso no mundo todo ainda?". São tão simples e geniais.

Uma delas foi a campanha da National Gallery há alguns meses.

A National Gallery tem um dos maiores e mais belos acervos de Londres. É um museu enorme, que exige muitas horas do visitante para que ele veja tudo. Só veja, porque pra absorver e admirar de verdade e merecidamente, tem que voltar muitas e muitas vezes.

Pois então. Pra divulgar as obras do seu acervo, a National Gallery não tentou criar nenhuma frase genial que convencesse as pessoas a se interessarem por arte. Eles deram amostra grátis. Isso mesmo, espalharam por vários pontos de Londres cópias - em tamanho natural - das obras. Assim, enbelezaram as ruas e chamaram a atenção para o museu, despertando nas pessoas a vontade de ver mais. Além de cada plaquinha ao lado dos quadros com infomações sobre a obra, a pessoa também encontrava um número de telefone para o qual poderia ligar e escutar a explicação detalhada do "audio guide" do museu.

Fantástico, não?









Fizemos faxina no mural!



Legenda:

- Matéria tirada do jornal grátis "If you only do 10 things, then do these". Ainda não fizemos nenhuma;
- Cartão "Hahaha" - cada vez mais útil a cada manhã;
- Folheto do museu que eu era voluntária;
- Foto do Ralph, o "pet of the day" do jornal grátis. Um fofo;
- Cartão postal do meu quadro preferido do Van Gogh (Starry Night) e de umas latinhas pra lembrar de fazer supermercado (...);
- Cartão postal anti-bush. Todo inglês deve ter um;
- Cartões postais lindos lindos de São Paulo, presente-surpresa de um amigo querido;
- Folheto que mostra o que reciclar e o que não reciclar;
- Bilhete do vizinho agradecendo a festinha no nosso apê;
- Bolacha de chopp de Amsterdam e bolachão de sorvete da Harrods;
- Nossos números de celular pras visitas;
- Ingressos pro show do Mika em dezembro (uhuuuu);
- Cartão com uma das melhores frases já escritas: "Inside me lives a skinny woman crying to get out. But I can usually shut the bitch up with cookies";
- E a conta de gás.

Como ver Londres inteira (e mais um pouquinho) em um fim de semana

Chamem a Tininha! E se ela trouxer a dupla dinâmica dela, a Dani, fica ainda melhor :-)
(E olha que a Dani lava louça e limpa a casa que é uma beleza!)















Meu primeiro (quase) piti

Não me lembro se já contei em algum texto remoto deste blog sobre os pitis públicos que eu já presenciei aqui em Londres.

Uma vez, uma velhinha que estava no mesmo ônibus que a gente apertou o botão pro ônibus parar e ele não parou e passou reto pelo ponto. A velhinha não teve dúvida. Foi até a janelinha do motorista e começou a gritar, não em voz crescente mas de repente mesmo, e tanto e tão alto que o ônibus inteiro levou o maior susto até entender o que estava acontecendo. Segundos depois, a velhinha estava batendo (não estou exagerando, juro) a bengala no vidro da janelinha com tanta força e gritando tanto que eu achei que ia acabar em sangue. O motorista, bem nervosinho também, gritava de volta como se estivesse falando com uma adolescente rebelde. Foi uma cena inacreditável. No final da história, a velhinha acabou descendo no próximo ponto jurando que ia denunciar o "mister driver" (durante toda a pancadaria ela manteve a classe chamando ele o tempo todo só de "mister driver") e tirar a licença dele pra sempre.

Acho que depois dessa, eu vi pelo menos mais uma dezena de cenas assim. O ônibus é o ambiente vencedor, de longe, em números de casos. Mas filas em geral também são bem propícias. A do correio deve ser o segundo lugar (como na vez que uma outra senhora ficou tão revoltada que só tinha um caixa atendendo que ficou meia hora declamando sobre os direitos dos cidadãos que fez o resto da fila esperar ainda muito mais do que já estava esperando com o dito cujo do único caixa). A melhor delas foi um senhor (incrível, quase sempre são pessoas de idade) que estava tão indignado pelo fato de o motorista não ter esperado uma velhinha se sentar pra fazer o ônibus andar, que berrou tanto lá de trás de onde ele estava, que o motorista parou o ônibus até a velhinha se acomodar.

E hoje foi a minha vez.

Desci a escada do ônibus (eu sempre volto no segundo andar vendo a vista) um ponto antes para dar tempo (os londrinos vão rir de mim, mas eu morro de medo de não conseguir descer em cima da hora). Cheguei lá embaixo e apertei o botãozinho pra parar no próximo, que era o meu. E comecei a digitar uma mensagem de texto no celular, muito complexa por sinal, pedindo pro Ricardo pegar meus casacos na lavanderia quando saisse da aula. Quando eu olho... cadê meu ponto? Passou! E o ônibus continuou indo, virando pra cá, virando pra lá, e eu zonza tentando entender o caminho que teria que fazer de volta e ao mesmo tempo sentindo os olhares ao meu redor, ansiosos por uma briga, sedentos por justiça. Eu nunca passei daquele ponto. Nunca fui adiante, e não sabia que o adiante era tão tortuoso e cheio de curvas. E nem que o próximo ponto era tão longe. Não sabia como voltar e já estava razoavelmente tarde e as ruas, a oeste da minha casa, são estritamente residenciais, sem muita luz e cheias de "council buildings" - os prédios populares do estado, cheios de gangues não muito amigáveis. Aí eu lembrei do frio. Aí eu senti um ônibus inteiro olhando pra mim esperando por uma atitude. Eu não podia, simplesmente não podia, descer daquele ônibus quieta como se nada tivesse acontecido. Ia ser uma ofensa não só ao meu orgulho e direito de cidadã como ao orgulho do ônibus inteiro. Do jeito que eles me olhavam, talvez do país inteiro. E lá fui eu bater na janelinha do mister driver.

- "Excuse me".

Mr. Driver só olha pra mim.

- "I pressed the button and you didn`t stop and now I don't know how to go back." (ok, nessa hora eu percebi que estava com o approach totalmente errado, devia estar gritando e xingando e não fazendo cara de coitada).

Mr. Driver continua olhando pra mim sem falar nada. (Será que eu tenho tanta cara de inofensiva, não mereço nem um resmungo de volta? Ele não estava me levando a sério).

- "You didn't stop!!! I pressed the button for you to stop this bus (devia ter colocado um "fucking" ou um "bloody" entre o this e o bus, eu sei) and you didn't!!! (cara de brava, tom de voz elevado, público mais satisfeito)

Mr. Driver balança a cabeça negativamente.

- "How will I go back, now? I don't even know the way back!!!!"

Mr. Driver não fala nada.

E lá vou eu pra porta de saída do ônibus, bufando como uma inglesa que se preze.

Pelo menos eu não decepcionei meus colegas.

Pelo menos eu demonstrei insatisfação.

Tudo bem, eu não ameacei o mr driver de caçar a licensa dele.

Nem xinguei e não falei "fuck" nenhuma vezinha.

Droga, tenho muito o que aprender.

Tuesday, October 23, 2007

As cores do outono




(Reparem que eu queria ter tirado uma foto apenas da nossa casa com a árvore, mas essa pessoa desagradável fez questão de parar o carro bem em frente da nossa porta..)





O presente que eu quero de natal = Coisas que só um país frio tem



Que eu sou difícil de acordar, todo mundo sabe. A fama já está literalmente se tornando internacional.
Que faz frio demais aqui pra cima e que isso torna o ato de acordar ainda mais difícil, todo mundo também sabe.
Que além de ser difícil levantar da cama pelo frio propriamente dito, também existe o fator "winter blues", ou seja, a deprê do inverno, algumas pessoas desconfiam. Eu mesma já tinha levantado aqui neste blog a suspeita de que o sol deixa - mas deixa mesmo, quimicamente falando - a gente mais feliz.

E agora está tudo comprovado pela Philips. A empresa acaba de lançar em Londres a sua campanha para um produto chamado "Wake-up light".
Ele é um despertador que te acorda simulando o nascer do sol, para que você acorde de forma mais natural na escuridão do inverno, e também emite uma luz X que "afeta os hormônios da energia" para fazer você se sentir mais bem-disposto.

Não é incrível?

Tá escolhido meu presente de natal.

Wednesday, October 17, 2007

meus 27 anos em Londres


Eu, Chris e Nandinho em frente à livraria do Hugh Grant (vocês assistiram "Um lugar chamado Notting Hill", eu espero)


Todos nós e a Tower Bridge no passeio turístico (esse foi o de número 5.672)


No jantar de comemoração do meu aniversário - First Floor, Portobello Road
Rô, Ric, eu, Chris, Nando, Manu e James

Os Loews em Londres


Nós e minha sogrinha em frente às pedras de Stonehenge (umas pedras antigas perdidas na beira da estrada, que por algum motivo ficaram muito famosas. por mais que eu tentasse, não consegui sentir as vibrações. talvez porque haviam uns 500 turistas junto conosco dividindo a energia.)


Nós à beira do Canal da Mancha (Isle of Wight)

Demora, mas não falha.

Finalmente algumas fotos das nossas últimas visitas, que animaram nossa primavera e nosso começo de outono com suas presenças :-)

Se eu pudesse colocar aqui tantas fotos quanto elas merecem, isso aqui seria um álbum e não um blog.

Mas como não dá (o sistema é feito para textos e de vez em quando ele deixa colocar alguma imagem), seguem os nossos queridos em alguns dos momentos especiais que vivemos com eles nos últimos meses enquanto este blog hibernava...

(continua no próximo post)


Tia Prisca (versão menina do meu pai) e primos da Itália + James, o vizinho Canadense


Tia Prisca e eu fazendo um safári em Londres (Richmond Park)

Tuesday, October 16, 2007

O frio

Hoje está um dia frio e feio. Eu acordei com a garganta tão inchada e dolorida que não conseguia engolir. E fiquei em casa tentando acelerar o trabalho da pós, que ainda não pegou no tranco.

Aí fiquei olhando pela janela, lá fora, as folhas caindo das árvores e o inverno se anunciando. A previsão do tempo para os próximos dias não é animadora: a mínima para amanhã é de 5 graus, para depois é amanhã é 4 e depois 3. Me deu uma daquelas vontades, que de tão forte até doem, de estar no Brasil. No Brasil as pessoas dão um jeito de fugir da depressão: junho é frio? Vamos fazer festas juninas, com fogueira e quentão! E por aí vai. O frio do Brasil é mais aconchegante - mesmo no frio a gente dá um jeito de fazer festa e se animar. Aqui não tem isso, não. Chega o frio e uma onda de tristeza e mal-humor toma conta da gente. E já começou. No Brasil tudo é desregrado... e acho que é isso que é responsável por todos os charmes e por todas as desgraças da nossa terrinha.

Ah, a terrinha...

Monday, October 08, 2007

Balanço de 8 meses Londrinos

- Panturrilhas muito, mas muito mais fortes;
- Unhas que nao vêem uma manicure há meses;
- Talento pra cozinha subiu de 1 para 8 (entre 10);
- Talento para faxina subiu de 0 para 4 (entre 10);
- Inglês subiu de bom para bem bom, enquanto o português caiu de bem bom para maomeno;
- Depilação? O que é isso mesmo?
- Felicidade não é mais pegar uma rua sem trânsito. É pegar um vagão do trem com assento livre;
- Já imaginou sentir tédio ao ver a Tower Bridge? Pois é. (levamos 5.672 pessoas lá);
- Me apaixonei por um lugar magico chamado Selfridge's. Bem mais mágico que Stonehenge. Só que esse leva à falência;
- Minha noção de estética, especialmente para quadros, cores de almofadas e plantas está bem mais apurada;
- O copo de chopp cresceu e virou um pint de Guiness;
- Estou sabendo de tuuudo o que acontece com a Brit(ney), a Posh e a Kate (Moss). E das suas inúmeras internações na rehab também;
- Os pais da Maddy (Madeleine, a que sumiu) espirram e eu fico sabendo no minuto seguinte;
- Programa preferido anti-stress no fim do dia: sentar na primeira fileira do segundo andar do ônibus e ficar vendo a vista;
- Me acostumei tanto a ver mulheres de burka e homens de turbante andando nas ruas que nem estranho mais. E se não são eles, são italianos, franceses, indianos, portugueses, brasileiros, australianos. Aliás, estou louca pra achar um inglês de verdade - se alguém souber de algum que esteja em Londres, me avisa?

Huck x Ferréz

Ainda falando sobre o triste tema: Luciana Huck foi assaltado, e escreveu semana passada um texto que foi publicado na Folha / UOL. O texto era revoltado, meio que como o meu, um grito pedindo socorro como muitos que temos escutado.

E já que eu gosto de polêmica, segue um texto contando o outro lado da história.

Pensamentos de um "correria"
FERRÉZ


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"Ele não terá homenagem póstuma se falhar. Pensa: "Como alguém usa no braço algo que dá pra comprar várias casas na quebrada?"
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ELE ME olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto.
Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos.
Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo. O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa mostrar nada.
O motoboy tenta se afastar, desconfia, pois ele está com outro na garupa, lembra das 36 prestações que faltam pra quitar a moto, mas tem que arriscar e acelera, só tem 20 minutos pra entregar uma correspondência do outro lado da cidade, se atrasar a entrega, perde o serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga.
Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque no acelerador e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.
Enquanto isso, muitos em seus carros ouvem suas músicas, falam em seus celulares e pensam que estão vivos e num país legal.
Ele anda devagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não terá homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá uma multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e um 38 enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.
Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava ao circo todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa. Ela começou a beber a mesma bebida que os programas de TV mostram nos seus comerciais, só que, neles, ninguém sofre por beber.
Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que sirva pro século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa -mas, pra que estudar se, pela nova lei do governo, todo mundo é aprovado?
Ainda menino, quando assistia às propagandas, entendia que ou você tem ou você não é nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém do que morrer velho como ninguém.
Leu em algum lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o que queriam dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra. Não acreditava em heróis, isso não!
Nunca gostou do super-homem nem de nenhum desses caras americanos, preferia respeitar os malandros mais velhos que moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto.
Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas nunca deu tapa na cara de nenhuma das suas vítimas. Ou matava logo ou saía fora.
Era da seguinte opinião: nunca iria num programa de auditório se humilhar perante milhões de brasileiros, se equilibrando numa tábua pra ganhar o suficiente pra cobrir as dívidas, isso nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.
Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que, apesar de morar perto do lixo, não fazia parte dele, não era lixo.
A hora estava se aproximando, tinha um braço ali vacilando. Se perguntava como alguém pode usar no braço algo que dá pra comprar várias casas na sua quebrada. Tantas pessoas que conheceu que trabalharam a vida inteira sendo babá de meninos mimados, fazendo a comida deles, cuidando da segurança e limpeza deles e, no final, ficaram velhas, morreram e nunca puderam fazer o mesmo por seus filhos!
Estava decidido, iria vender o relógio e ficaria de boa talvez por alguns meses. O cara pra quem venderia poderia usar o relógio e se sentir como o apresentador feliz que sempre está cercado de mulheres seminuas em seu programa.
Se o assalto não desse certo, talvez cadeira de rodas, prisão ou caixão, não teria como recorrer ao seguro nem teria segunda chance. O correria decidiu agir. Passou, parou, intimou, levou.
No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio.
Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes.


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REGINALDO FERREIRA DA SILVA , 31, o Ferréz, escritor e rapper, é autor de "Capão Pecado", romance sobre o cotidiano violento do bairro do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, onde ele vive, e de "Ninguém é Inocente em São Paulo", entre outras obras.
Leia o artigo de Luciano Huck em www.folha.com.br/072801

Wednesday, October 03, 2007

Vendo de fora, fica pior

Cá estou eu retomando minhas atividades neste blog após quase 2 meses ensaiando. Tenho pensado muito em muitas coisas para escrever. Todo dia acontece alguma coisa, ou eu vejo alguma coisa, e escrevo um texto mentalmente enquanto pego o metrô ou ando até em casa. Mas áté chegar no computador, o texto se desfez e a inspiração daquele momento foi substituída pelas tarefas domésticas ou profissionais e o blog acaba ficando para depois, esperando um momento em que oportunidade e inspiração se encontrem novamente.

Eu gostaria de retomar meus pensamentos aqui com notícias boas ou histórias divertidas. Mas não consigo ignorar uma angústia que tem me perseguido nos últimos dias, alimentada pelas notícias que ando tendo do Brasil.

Estou aqui, neste país distante e pequeno, ilhada e coberta por nuvens. Este país pequeno mas notável, que protege sua economia, que usa como argumento para vender mais o fato de que seus produtos são 100% britânicos. E se não são, vêm com uma enorme etiqueta explicando o que é Fairtrade e atestando que os produtores daquela banana - normalmente de países em desenvolvimento - receberam o valor justo pela sua produção. Este país que parece frio mas que vai conquistando aos poucos pela seriedade com que trata dos assuntos sérios e pela liberalidade com que aceita o novo. E foi aqui, protegida pela segurança de um país que zela pelas suas pessoas, que recebi as últimas notícias do Brasil distante.

Alguém levou um tiro. Alguém próximo, pai de quem me deu a notícia. Na Marginal Pinheiros, ali mesmo, onde passei todos os dias durante anos enquanto trabalhava na Ed. Abril, e continuei passando depois. Ali onde quase todos os meus amigos passam todo dia. O trânsito estava congestionado e o ladrão bateu com o revólver na janela da vítima. A vítima, de carro blindado, ignorou. Fingiu que não estava vendo e continuou olhando pra frente. O ladrão parou a moto em diagonal na frente do carro, com a maior calma do mundo, e atirou. Simples assim, no meio dos carros, em plena avenida, à luz do dia. Assim, normal.

Não, o pai do meu amigo não morreu, porque estava de carro blindado. Porque a família tem dinheiro ganho com trabalho e suor, merecidamente, e não pode ir e vir livremente. Mas e quem não tem? (Diga-se de passagem, praticamente todo mundo.)

O mais triste dessa história é que vocês devem estar lendo este texto e se perguntando "tá, mas cadê a novidade? Por que ela está tão revoltada?"
Estou tão revoltada porque sei que isso não está certo, porque estou vivendo de forma mais humana, estou vendo de fora o tamanho do absurdo brasileiro. Porque estou num lugar onde se um ladrão de galinhas entra na sua casa pensando que vai só pegar umas coisinhas e sair despercebido, a polícia chega com uma equipe enorme 3 minutos depois fazendo perguntas e tirando digitais. Porque o que é seu é seu e ninguém tem o direito de invadir. Porque o normal é ter porque se trabalhou e mereceu, e não porque roubou. Se você tem dinheiro, o pobre vai te admirar e não te odiar. Mas vamos combinar que o pobre aqui é bem mais rico que o pobre daí.

Tá tudo errado.

Tirar algo do outro já é errado.

Tirar a vida, é inadmissível.

Por favor, não se acostumem com isso, não achem que é normal. Não é!!! Eu estava acostumada. Precisei sair pra olhar de fora e enxergar o tamanho do escândalo. Espero nunca mais me acostumar. Eu sou mais uma brasileira apaixonada pelo Brasil, pela sua alegria de viver, pelas suas pessoas, que está com medo do Brasil. É triste dizer isso, e eu vou voltar, mas estou com medo. Eu aprendi a andar sem medo pelas ruas, e não sei como será quando eu tiver que desaprender.